quarta-feira, abril 21, 2010

A vida é quase bela...



Era uma tarde de muito sol em SP. Na subida de uma longa escadaria metálica que dava acesso a uma estação de trem, lutava para manter-se em pé um cidadão completamente alcoolizado. Encharcado de suor, o rosto com vários hematomas e sangue de quedas, provavelmente sofridas há poucos instantes. Praticamente rastejava e não tinha força suficiente, já quase pendurado no corrimão, para chegar ao seu objetivo.O seu semblante não lembrava a característica feição de quem bebe por vício ou para viver fora da realidade. Mesmo alterado, ele parecia muito preocupado, confuso e até envergonhado.Parecia apenas querer voltar pra casa (sim, a impressão que tive era a de que ele tinha um lar) e acabar com aquela cena.


Naquele mesmo instante, sobe as escadas um jovem com a sua filhinha de mãos dadas. A garotinha, na curiosidade dos seus 4 ou 5 aninhos, pergunta ao pai assustada observando, o que teria aquele homem, que não conseguia subir as escadas. O pai surpreendentemente, ao invés de arrastá-la para longe da cena como muitos o fariam, ficou ali com a criança, bem pertinho do bêbado “agonizante”, explicando, fitando-o e quase dialogando com o mesmo:


- Ele está assim, filha, porque não comeu direito de manhã. Ele ta fraco, tá vendo? Não consegue subir as escadas. Logo ele vai melhorar!


O bêbado consegue subir mais uns degraus. Curiosidade defeita, a garotinha retoma o seu destino convencida com a explicação do pai.


Uma cena cotidiana, até inusitada, mas que me transportou.O papel daquele jovem pai, com atitude tão simples foi encantador. Foi como assistir ao filme “A Vida é Bela”. Aquele que se passa na Segunda Guerra. O pai judeu, simples, amoroso e espirituoso que consegue manter a visão inocente da sua criança, fazendo-a crer que o campo de concentração era uma grande brincadeira. Pensei muito sobre a relação entre pais e filhos. Fico feliz por compreender cada vez mais um pouco o que significa esse amor incondicional. E no pouco tempo de prática da minha “independência”, longe deles, me vejo fazendo algo semelhante, tornando as coisas as vezes mais brandas afim de tanquilizá-los. O mundo é cruel, e eles já sabiam disso antes da nossa existência. Respeitemos os nossos velhos e verdadeiros sábios!!


Maurício Sampaio

sexta-feira, abril 09, 2010

Sal que desce suave...



Imagine a cena. Você vai comer em qualquer restaurante, lanchonete ou afim e a comida está sem sal. Pergunta ao garçom o que está ocorrendo. Ele te informa que a comida realmente é preparada sem sal, que é adicionado ao gosto do freguês. Legal a inovação!! Aí você pega o famoso saleiro, geralmente ali no meio da mesa e nesse exato momento começa a ser travada a famosa guerra "
você versus saleiro" .

Na primeira e melhor das hipóteses, se o utensílio te ajudar , você vai dar umas balançadas assim com um pouco de força e vai conseguir despejar, mesmo de forma não uniforme, o conteúdo do sal no seu prato. Agora, se o bichinho tiver entupido é sofrimento. Acompanhe apenas algumas das diversas variações que podem ocorrer:

1 - Você bate no fundo dele com bem força, com o bico apontado para a comida, o bico abre e cai aquela quantidade estúpida de sal no alimento, estragando com tudo.

2 - Você bate no fundo dele e faz diversas tentativas. Alterna batidinhas do fundo do saleiro na mesa, chamando inclusive a a atenção dos demais clientes. Nada acontece e você acaba desistindo de salgar a comida. Inventa que tá com a pressão alta ou fazendo regime e degusta uma comida insossa.


3 – Você é do tipo MacGyver. Tenta dar todo tipo de sacudida e batida, mas constata que os furinhos do bico estão entupidos. Tem a incrível idéia de pegar um palitinho e desentupir os furinhos, um a um. Se funcionar, beleza. Caso negativo, se for persistente, passe para o passo 3.1.


3.1 – Continua entupido mesmo com a técnica anterior. Você desenrosca a tampa do saleiro, dá umas batidinhas nela prqa remover todo o resíduo de sal empedrado que ali se encontra. Tira até metade dos grãoes de arroz que já não ajudam mais. Depois monta todas as peças e finalmente consegue ter uma refeição salgadinha.


4 – Você tenta usar o sal e não consegue, chama logo o garçom pra que o mesmo providencie outro saleiro. Nessa aqui lamento informar que inevitavelmente todos os saleiros estarão do mesmo estado que os anteriores. O garçom vai se virar lá e tentar fazer o melhor que pode.


Eu fiz esse arrodeio danado só pra lembrar o nosso dia-a-dia com o saleiro. Vivenciei há pouco tempo uma situação completamente diferente na Argentina. Lá, geralmente a comida tem que ser salgada pelo cliente na hora. A minha surpresa foi notar que há uma manutenção rigorosa dos saleiros ou o sal utilizado é muito mais seco que o nosso. Não parei para pesquisar, mas o fato é que lá foi preciso reeducar-me ao utilizar a ferramenta. Não precisa dar batidinha nem aplicar nenhuma das técnicas descritas. Basta deixar o saleiro inclinado suavemente e logo notar um filete de sal descer de forma contínua. Daí basta espalhar por toda a comida e pronto!!!
Sensacional!!!

Era uma imagem linda!! Eu ficava brincando de despejar sal nas coisas. Até consegui tirar a foto acima, depois de algum trabalho. Taí... as pessoas voltam falando maravilhas das belezas naturais, cultura e patrimônio dos locais onde visitam. Não vou fazer diferente depois da minha visitinha a esse país encantador, mas pra ser original, da Argentina, eu fico pro resto da minha vida com a lembrança do sal . Lá ele funciona muuuuito melhor!!! Hihihhihi

Dominó acompanhado de vara mista – Recordações



Um dia desses veio à tona uma agradável lembrança do meu tempo de adolescente. Um fato que tornou-se cotidiano por quase 1 ano inteiro. Coordenados por um grande amigo nosso, porteiro do prédio, de alcunha Thor, sempre no fim da tarde no seu horário de descanso, começava a mobilização para mais uma partida de dominó. Decidido o local, que quando não era a casa de algum dos membros da roda, era o playground do prédio, dava-se início à rodada, repleta de alegria, gozação e com um vocabulário próprio para os movimentos da jogada, a exemplo das peças “fedendo a pica”, que fechavam um jogo.

Isso transformou simples adolescentes em mestres na arte do dominó. Qualquer um de nós que encostasse num desses grupinhos de senhores aposentados que passam horas a fio praticando nas esquinas ou pracinhas, certamente não seria bem recebido, tamanha a habilidade para vencer e malandragem que haviam sido desenvolvidas.

Com alguns minutos de jogo, chegava a hora de ir à padaria, para dar início ao que era uma das grandes atrações nos momentos da jogatina . Fazíamos um rateio diário afim de levantar fundos para a aquisição dos ingredientes da famosa vara mista. Para quem não conhece, era um super sanduíche preparado de maneira tosca, da seguinte forma:

*2 varas de pão. É como um pão francês, mas de tamanho gigante.

*500g de manteiga daquelas pesadas na hora e que vinham num saco plástico bem melado.

*500g ou quanto o dinheiro desse de presunto, apresuntado ou mortadela.

*500g ou quanto o dinheiro pagasse de queijo.

*1 bacia.

*1 colherão, peixeira ou espátula de pedreiro.

Para acompanhar, 1 garrafinha pet de 2 litros do refrigerante que tivesse disponível.

O preparo sempre era feito por Thor. Ele colocava a porção de manteiga numa bacia, abria os pães cuidadosamente e ia colocando infinitas camadas de queijo e presunto. Finalizada a etapa, chegava a hora da manteiga. Quantidades cavalares eram retiradas da bacia com uma faca, colherão ou espátula de pedreiro, passadas de uma extremidade a outra do pão. As vezes a ferramenta caía no chão, mas o Thor tinha um jeito peculiar de dar uma batidinha na parede, fazendo que com isso a bactéria fosse toda embora. Fechado o pão, ficava aquela talagada de manteiga escorrendo e a grossa camada de presunto e queijo querendo insistentemente abrir os sanduíches, que finalmente eram serrados em partes iguais entre os membros presentes.

Dali em diante era só degustar os generosos pedaços de sanduíche e retomar a partida. Até o início do anoitecer ainda iam acontecer muitos xingamentos, armações, piadas, trotes telefônicos, dominó, conversas descompromissadas, gargalhadas e principalmente muita vara mista. Assim foram as saudosas tardes de 1999. A nostalgia sempre aparecendo pra dar o ar da graça.

quinta-feira, abril 08, 2010

É difícil?



Confesso que foi.
Foi preciso que eu me livrasse de muitos preconceitos.
Que quebrasse um orgulho adulto e de que como criança perguntasse.
Que lembrasse de um passado desde menino não com nostalgia, mas como aprendizado.
Que tivesse a coragem de ver como párvulo e de pensar como doido.
Foi preciso rebuscar remotas fases da infância em que se achava beleza em coisas tristes e não deixar escapar.
Foi preciso exercitar uma sensibilidade de fêmea e uma imaginação histórica de criança.
Foi preciso que interpretasse no riso a graça e não o sarcasmo, mesmo quando fosse.
Que não me deixasse abalar pelos que não sentem o prazer na poesia, nem se embalam numa descomprometida prosa.
Foi preciso que num momento de coragem me expusesse a algum amigo e, depois com mais coragem ainda, a uma pessoa e depois a desconhecidos.
Foi preciso que eu percebesse que sentia prazer.
Foi preciso que, mesmo não estando com o coração de amante, sentisse a beleza da lua, das estrelas e me extasiasse diante de um pôr-do-sol, sem me envergonhar.
Foi preciso que eu me encorajasse a beijar a rua como um adolescente.
Foi preciso que eu encontrasse velhos que pensam como crianças e acreditam que têm um futuro longo de muitas brincadeiras, que só devem ser interrompidas para coisas importantes como comer e beijar.
Foi preciso que eu tivesse coragem de me deixar ser visto chorar.
Foi preciso que eu alçasse vôos sem sair do chão e criasse visões.
Que eu não me envergonhasse de ensaiar novos passos, em observar os mais exímios dançarinos e sobretudo não me inibisse a tentar novamente ao tropeçar na dama.
Foi preciso que tivesse a ousadia de não censurar a mim mesmo.
Foi preciso que eu sentisse prazer e, às vezes, até chamasse a insônia.
Foi preciso que eu me desnudasse e rompesse o hímen.
Hoje não é preciso muita força para arrancar, amigo. Mas o primeiro canto d´alma, que saiu desafinado e acanhado em forma de poesia, foi difícil, difícil, difícil... Dificílimo.


Laé de Souza