sábado, outubro 24, 2015

O casal do 17°

O casal do 17° andar tem horários parecidos com os meus. Nós passeamos com os cães pela manhã e à noite e por dezenas de vezes, já cruzamos pelo elevador ,pela rua ou pelo prédio. Damos um bom dia ou boa noite e nossos cachorros, que já se conhecem, trocam aquela cheirada. O engraçado é que toda vez que precisamos dar aquela paradinha pros cães se “falarem” eles agem como se fosse a primeira vez que isso acontecesse . Fazem sempre as mesmas perguntas e fica claro que para eles, nós nunca existimos. Já tive vontade de perguntar se eles têm algum problema de memória ou que porra que é. Mundo louco.

Tempos de Speed Stick


Um aroma característico ou uma música que não parava de tocar na rádio em determinada época são memoráveis. Marcam para sempre as nossas vidas. Disso ninguém tem dúvida. Há pouco, passou um cara exalando um cheiro muito característico. Impossível não reconhecer aquele, que foi o odor que senti diariamente, em mim mesmo, por um bom período da minha vida.

Estou falando do magnífico Speed Stick, o desodorante que marcou a minha adolescência e infelizmente não é mais encontrado no Brasil. Agora, somente adquirido por importação. Marco aqui alguns amigos ex-usuários , que podem não se pronunciar, mas certamente são testemunhas do que relato.

Aplicávamos generosas camadas daquele desodorante em barra nas axilas e estávamos protegidos por um bom tempo contra o mau odor da transpiração. É claro que tinha um efeito colateral: Quando usado em excesso, após a transpiração e certo atrito das axilas com a camisa, o material começava a espumar. Era como passar sabonete no sovaco. Outro ponto é que o cheiro era marcante e fortíssimo. Alguns aromas lembravam perfume barato, ou num termo que somente os baianos reconheceriam: O famoso perfume "espanta-nigrinha". Enfim, o usuário do Speed Stick chamava a atenção por onde passava!!

Para a nossa classe social, o aroma tinha boa aceitação no bairro de Brotas, Nazaré, Tororó, centro da cidade e Praça da Piedade e Avenida Joana Angélica, por onde circulávamos com maior frequência. Por lá, fazíamos sucesso absoluto, quer nos pontos de ônibus da estação da Lapa ou no Rei do Hot Dog, na Ladeira dos Galés. Porém, se ousássemos uma escalada um pouco maior no padrão social e fôssemos parar no shopping Barra, não seríamos tão bem recepcionados pelas pessoas. Não sei se foi este o motivo por já termos sido expulsos de uma loja de discos daquele shopping (finada aki discos), provavelmente julgados pela aparência ou pelo nosso odor “barato”.

Saudosos tempos onde o Speed Stick foi responsável por combater a catinga, cumprindo a sua função com excelência e sem as firulas dos desodorantes de hoje, que abusam de tecnologias duvidosas que só servem como boas ferramentas de marketing. No fundo, a única coisa que proporcionam é um emborrachamento gradativo das axilas e das camisas e pouca eficácia contra a catinga. Fica aqui o meu protesto. Queremos dignidade!

Aguardando o Embarque...

Aeroporto de Madrid, 16/10/2014. Aguardando a hora do embarque.

Bem à nossa frente, senta-se um ruivo aparentando seus 40 anos. Inesperadamente, retira um spray da mochila e começa a borrifar nas próprias pernas. Não era possível identificar se era algum repelente ou desodorante. O fato é que ele não interrompia aquela ação, que se estendeu pelo resto do corpo e logo a senhora que estava sentada numa poltrona ao lado dele, pegou as suas bagagens, pôs no carrinho e saiu rapidamente sem olhar para trás.

Em seguida, ele guardou o spray , tirou uma lata de refrigerante de um largo bolso da calça e colocou o objeto dentro da mochila. Minutos depois, retirou de lá um picolé (desses recheados e folhados com casquinha de chocolate). Desembalou pacientemente o picolé e começou a retirar a casca de chocolate, jogando tudo no chão. Fez uma grande sujeira e pareceu um tanto agitado.
Procurando alguma forma de interlocução, olhou para mim com olhar vago e correspondi, por centésimos de segundos. Já era!!

Repetidamente, cada vez em tom mais alto, começou a falar, olhando fixamente para mim:
"I dont like chocolate in my ice cream!"
"I dont like chocolate in my ice cream!"
"I dont like chocolate in my ice cream!"

Uma expressão de transtorno começou a tomar conta da sua face. Ele batia com as mãos na própria testa. Tentei não olhar mais. Em seguida,deixei o local, com um certo receio.

Por uns instantes até pensei que se tratava de alguma pegadinha, porém não fomos procurados pela produção para que déssemos um sorriso para as câmeras escondidas. Não sou curioso nem nada, mas decorrido algum tempo, retornei ao local só para conferir se houve algum desfecho para o caso, mas lá, apenas o chão todo sujo, já com o chocolate derretido e nada do ruivo.

Podia ser uma crônica fantasiosa, mas é uma cena real das minhas andanças por aí. O ruivo me fez pensar, pois sempre da confortável posição de quem se julga normal, é fácil identificar um suposto ato insano, fazer piada, tirar sarro. De lá pra cá me questiono se hoje os mais doidos não são justamente os que cometem a loucura de serem ou aparentarem normais, tal como filosofava o saudoso Raulzito.

Será que surtei?